Em seu estudo sobre indisciplina e violência nas escolas, Silva (2003), considera que estamos vivendo em um mundo em decadência e que as instituições sociais se encontram em um processo de falência generalizada, o que se reflete no campo moral e ético, pois os indivíduos se colocam indiferentemente com relação às leis, normas e regras de convívio social. O mesmo ocorre na escolarização formal, que atravessa um momento sombrio, seja porque os alunos não estão acostumados a vivenciar e a respeitar regras e normas, seja porque os professores não sabem como agir diante de situações inesperadas e que envolvem valores morais. Essa autora aponta, inclusive, o aumento da indisciplina e da violência nas escolas, dois fenômenos atuais e controversos, como sendo “cada vez mais objeto de preocupação de professores e demais membros ligados à instrução escolar” (SILVA, 2003, p. 244), o que tinha sido exposto, há alguns anos antes, por Oliveira (2001,p. 163) ao identificar que as discussões éticas haviam deixado “de ser preocupação exclusiva de professores de filosofia para se tornar objeto de todo educador”.
São imprescindíveis, portanto, investigações sobre a ética na educação e sobre a formação moral do indivíduo nas escolas, aspectos inseridos na proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o referencial curricular nacional, a qual enfatiza a formação do “cidadão solidário e trabalhador”2 e pretende superar paradigmas centrados no individualismo, na exclusão e na destruição do ser humano e do meio ambiente.
Como é atribuída, formalmente, aos professores e aos demais agentes da instituição escolar, via Parâmetros Curriculares Nacionais, a tarefa de educar moral e eticamente as crianças e adolescentes dentro das salas de aulas e nas escolas, cabe perguntar se os atores sociais da escola estarão preparados para desenvolver o caráter dos alunos, o qual se manifestaria no seu comportamento através de virtudes tradicionalmente reconhecidas e respeitadas, tais como a honestidade, a coragem, o controle de si mesmo, a solidariedade e o respeito ao próximo (cf., entre outros, DUSKA; WHELAN, 1994). Aranha (2000) acredita que os professores não estão prontos para assumir esta empreitada e aponta que esta é uma das grandes dificuldades a ser enfrentada na implementação da proposta de discussão do tema ética nas escolas. Trazendo os estágios de desenvolvimento moral definidos por Kohlberg3, Aranha afirma que estudos orientados por este psicólogo evidenciaram que muitos professores estavam no estágio pré-convencional, isto é, aquele em que o indivíduo decide o que é certo fazer, baseando-se em seus interesses próprios, individuais. Regras, normas, ética, moral, valores morais, atitudes e costumes são conceitos interdependentes e estão interligados em torno da noção de ética que circula nas escolas. A interligação de tais conceitos é apontada por Sung e Silva (1995) ao discutirem as relações entre ética e sociedade. Segundo estes autores, a expressão “bons costumes” tem sido utilizada como sinônimo de moral ou de moralidade e, quando todos aceitam os costumes e valores determinados pela sociedade, não há muito a se discutir sobre eles. Mas, quando existe questionamentos sobre a validade de valores que estão sendo vivenciados, surge a necessidade de criticá-los e de fundamentá-los. Esta dimensão, entretanto, parece não ganhar fôlego nas salas de aula e nas escolas.
A ação moral, segundo estudo pioneiro de Piaget (1932) sobre a moralidade infantil,se desenvolve através da participação ativa do indivíduo, pois é nas suas interações com asociedade que ele constrói valores e regras. Ao apresentar os estudos desenvolvidos por Piaget, Ribeiro (1996) focaliza a existência da gênese da moralidade infantil a partir da interação da criança com o grupo social. A criança constrói e reconstrói ativa e progressivamente as regras vigentes no grupo. A tomada de consciência implica descentração do pensamento, reciprocidade e respeito à regra ou psicogênese das regras sociais. Esta descentração resulta do grau de aquiescência dos membros do grupo, os quais podem elaborar uma regra ideal, a qual independe da experiência concreta e das práticas usuais no grupo. É somente num último estágio4, entretanto, que o então adolescente internaliza as regras, desenvolve o respeito mútuo e a responsabilidade subjetiva.
Crianças e adolescentes estão sempre em contato com normas e regras que precisamobservar. O que seus pais, familiares, professores e outros adultos que fazem parte do cotidiano das escolas pensam, contribui, significativamente, para que possam construir seus modelos representacionais a partir da realidade em que vivem. Eles têm idéias próprias a respeito dessa realidade, constróem conceitos e adotam padrão de comportamento que combinam com um ou outro esquema social. Se seu padrão de comportamento é aprovado pelos adultos, as crianças e os adolescentes sabem se é apropriado ou não.
Para os especialistas que elaboraram os PCN e que propuseram incluir a ética como um tema transversal a ser trabalhado pela escola, as reflexões propiciadas nas aulas de
todas as disciplinas do currículo escolar possibilitarão que cada indivíduo assuma sua responsabilidade autônoma e universal. O indivíduo criativo, autônomo e solidário é apontado como responsável por si próprio, pelo outro, pela comunidade, pelo planeta e pelo universo. É esta a idéia de "ética de responsabilidade solidária", uma "nova" ética que deve estar impregnada pelo senso de justiça — o qual sempre ocupou um lugar central na ética — de igualdade de oportunidades e de liberdade, colocando o desenvolvimento da pessoa humana e das comunidades em primeiro lugar (PEGORARO, 1995). O exercício da justiça deveria pressupor, portanto, a participação dos integrantes de determinado grupo social na constituição de acordos que vão estabelecer e decidir regras que vão nortear suas reivindicações (RAWLS, 1993).
Professores são profissionais essenciais na construção do conhecimento dos alunos, na mediação pedagógica entre conteúdos e formas de expressão, na elaboração e condução da experiência educativa, na vivência de situações didáticas e na construção da escola, contribuindo, para isso, com seus valores, saberes e competências. Aos docentes é dada a tarefa de facilitar as reflexões, discussões e debates sobre as condutas humanas e questões éticas contemporâneas, contribuindo, fundamentalmente, para a formação moral dos alunos, seu aprimoramento como pessoa humana, desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico.
Como o professor é responsável pela formação do povo brasileiro (PCN, 1997a) a concepção de ética superior por ele assumida norteia seu trabalho, entendido como “instrumentalização dos alunos para o acesso” aos recursos culturais relevantes e desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes para que eles possam enfrentar o mundo como “cidadãos participativos, reflexivos, autônomos, conhecedores de seus direitos e deveres” (SOUZA, 1997), “preparados para poderem lidar com novas tecnologias e linguagens, capazes de responder a novos ritmos e processos” (PCN, 1997a, p.34-35), garantindo-lhes o exercício da cidadania, definida “como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito” (PCN, 1997b, p. 7).
Acreditamos que, através da vivência de situações-problemas (nas quais os diversos membros da comunidade escolar deverão ser os atores); da análise dos conflitos e de suas conseqüências; das negociações entre as partes envolvidas; dos acordos estabelecidos entre pessoas; das argumentações; dos pareceres; da tomada de decisão; e da avaliação dos resultados alcançados, que a ética será praticada, pois só há sentido falar em ética nas escolas se ela for praticada. Caso contrário, o tema ética se tornará apenas mais uma tema, perdendo sua importância de viabilizar um diálogo entre os diferentes atores escolares, o qual se relacionaria ao tratamento de valores que se referem a aspectos da vida na escola e na vida em sociedade.
Extraído de :
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ÉTICA E O TRABALHO DOCENTE
GONÇALVES, Helenice Maia – UNESA
GT-13: Educação Fundamental
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